O rumo da política monetária do Banco Central Europeu (BCE) ficou “em aberto”, aguardando novos dados macroeconómicos. Mas, depois de se confirmar que a inflação na Zona Euro vai continuar “demasiado elevada durante demasiado tempo”, a presidente Christine Lagarde decidiu avançar com uma nova subida as taxas de juro diretoras em 25 pontos base esta quinta-feira (dia 14 de setembro), elevando a principal taxa de refinanciamento para os 4,50%, o maior valor desde maio de 2001. Esta não é uma boa notícia para quem tem crédito habitação a taxa variável ou está a pensar contratar um, uma vez que a decisão do regulador europeu dará um novo estímulo à subida da Euribor e, por conseguinte, às prestações da casa. E, segundo os especialistas ouvidos pelo idealista/news, este não deverá ser o último aumento dos juros diretores. Também Lagarde admitiu que “é demasiado cedo para dizer se as taxas de juro do BCE atingiram o seu pico”, embora tenha deixado a porta aberta para haver uma pausa na próxima reunião.
- Euribor tem novo estímulo para subir além dos 4%
- Taxas Euribor poderão subir até aos 5%? Europeus acreditam que sim
- Juros elevados têm impactos no crédito habitação em Portugal: quais?
- Qual será o rumo das taxas de juro na reunião de outubro?
- Quando é que as taxas de juro do BCE vão começar a descer?
- As próximas reuniões do BCE
Aquela que é décima subida das taxas de juro diretoras desde julho de 2022 foi esta quinta-feira anunciada pelo BCE, tendo sido motivada pela evolução da inflação na Zona Euro que se fixou em 5,3% em agosto, segundo os dados provisórios do Eurostat, e pelas perspetivas económicas futuras que se agravaram para 2023 e 2024.
Voltando a aumentar os juros diretores em 25 pontos base, Christine Lagarde quer garantir o “retorno atempado da inflação ao seu objetivo de médio prazo de 2%”, de forma a estabilizar os preços, explicam no comunicado publicado esta quinta-feira (dia 14 de setembro). “O BCE mantém a sua trajetória sem interrupções, transmitindo uma mensagem clara de que o seu objetivo principal é controlar uma inflação, que ainda se mantém demasiado alta a nível europeu”, comenta Miguel Cabrita, responsável pelo idealista/créditohabitação em Portugal.
“Com vista a reforçar o progresso para o seu objetivo, o Conselho do BCE decidiu aumentar as três taxas de juro diretoras em 25 pontos base”.
Claro está que esta decisão tem efeitos nos vários mercados, nomeadamente no crédito habitação, arrefecendo a procura por financiamento bancário, uma vez que as condições estão “mais restritivas”, dizem ainda. Com esta nova subida dos juros, o BCE elevou a taxa de juro das principais operações de financiamento para os 4,50%, o maior valor registado nos últimos 22 anos, que irá estimular o crescimento das taxas Euribor. “São más notícias para quem possui crédito habitação e para aqueles que planeiam comprar casa através financiamento bancário, pois é provável que a Euribor reflita rapidamente este aumento”, explica ainda Miguel Cabrita.
Além de a decisão do BCE voltar a agravar as prestações das casas dos créditos habitação de taxa variável (ou mista em período variável), também irá aumentar a dificuldade em aceder aos empréstimos e estimular as renegociações dos créditos, bem como as amortizações antecipadas – tendências bem visíveis em Portugal. E os especialistas ouvidos pelo idealista/news alertam que o regulador europeu não vai ficar por aqui, antecipando mais movimentos ascendentes das taxas de juro diretoras nos próximos meses se a inflação não desacelerar de forma significativa.
Euribor tem novo estímulo para subir além dos 4%
Tal como antecipam os especialistas, esta nova subida das taxas de juro diretoras decidida pelo BCE vai dar um novo impulso à subida da Euribor, que poderá ficar acima dos 4%, agravando ainda mais as prestações da casa das famílias. Até porque, depois do BCE ter aumentado os juros em 25 pontos em julho, as taxas mensais da Euribor a 6 e a 3 meses voltaram a subir para 3,944% e 3,780% em agosto, respetivamente.
Já a média mensal da Euribor a 12 meses desceu ligeiramente para 4,073% em agosto. Mas, até ao momento, a taxa diária para o prazo mais longo já voltou a aumentar, estando acima dos 4,1%. As previsões dos especialistas de mercado sugerem que a Euribor a 12 meses deverá manter-se nesse nível tanto em 2023, como no próximo ano: a espanhola Funcas estima que a média anual desta taxa se vai situar em 4,25% em 2023 e 4% em 2024. E o BBVA Research não descarta a hipótese de atingir os 4,5% nos próximos meses.
Portanto, se as taxas Euribor subirem até aos 4,25%, as prestações da casa dos novos créditos habitação de taxa variável deverão aumentar para os 828 euros mensais, tal como indicam as estimativas do idealista/créditohabitação, considerando um empréstimo de 150 mil euros, prazo de 30 anos e spread de 1%:
- Euribor a 12 meses: aqui a prestação da casa seria 17 euros superior face à prestação para um crédito habitação contratado em setembro de 2023 (811 euros), que usou média mensal da Euribor de agosto (4,073%);
- Euribor a 6 meses: neste caso a prestação agravar-se-ia em 29 euros face à calculada para um empréstimo da casa contratado em setembro (799 euros/mês);
- Euribor a 3 meses: nesta taxa a prestação ficaria 43 euros mais elevada do que a calculada para um crédito habitação contratado em setembro, cuja prestação foi de 785 euros mensais.
Taxas Euribor poderão subir até aos 5%? Europeus acreditam que sim
Mas até onde podem subir os juros no crédito habitação? As famílias da Zona Euro acreditam que os juros vão aumentar para 5,1% nos próximos 12 meses, de acordo com os resultados do Inquérito às Expectativas dos Consumidores do BCE relativo a julho. Isto significa os europeus admitem que as taxas Euribor poderão chegar aos níveis de 2008, altura em que eclodiu a crise financeira global.
Sobre este ponto, o responsável pelo idealista/créditohabitação em Portugal, afirma que “especular sobre o futuro da Euribor e seu teto máximo é arriscado, porque tudo dependerá da evolução da inflação e do possível impacto dos aumentos de taxas no crescimento económico e no emprego”. No entanto, confessa que não se pode “esquecer que historicamente a inflação é difícil de conter” e que se têm “visto taxas superiores às atuais”.
Já o economista espanhol Miguel Córdoba afirma que “a Euribor pode subir em várias fases até aos 5%, mas depois estabilizar e voltar a cair. Nos próximos dois anos fará esse movimento, e acredito que atinja níveis de 2% ou 3% até ao final de 2025”, explica ao idealista/news, deixando uma mensagem de alento aos mutuários: “O sofrimento dos atuais ou potenciais futuros mutuários de créditos habitação está quase a chegar ao fim”.
Juros elevados têm impactos no crédito habitação em Portugal: quais?
Ao que tudo indica, a nova subida das taxas diretoras pelo regulador europeu vai continuar a ter impacto nos créditos habitação em Portugal à boleia da subida dos juros, reforçando várias tendências visíveis neste mercado:
- Dificuldade em aceder ao crédito habitação continua: com a subida dos juros, os bancos portugueses estão a financiar menos empréstimos para comprar casa, tal como revela o Banco de Portugal (BdP), que também já avisou que o arrefecimento da procura deverá continuar, pelo menos, até ao terceiro trimestre de 2023. Os juros e os preços das casas em alta, somados ao menor poder de compra, também colocam um travão no acesso ao crédito devido ao cálculo da taxa de esforço, que inclui o teste de stress de 3%, uma norma que deverá cair para os 1,5% em breve. Por outro lado, há também casos em que a avaliação bancária é inferior ao preço de venda, dificultando o acesso ao crédito, pois o empréstimo é concedido pela avaliação (o mais baixo dos dois), sendo preciso dar maior valor de entrada;
- Amortizações antecipadas no crédito habitação a escalar:este movimento disparou em 2023 e deverá manter-se, já que o Governo eliminou as comissões e impostos à amortização antecipada dos créditos a taxa variável e, agora, permite o resgate do Plano Poupança Reforma para pagar a prestação ou amortizar o empréstimo. Assim as famílias conseguem baixar as prestações da casa ou até ficar livres da dívida à banca;
- Renegociações dos créditos habitação em alta: dado que há cada vez mais famílias em dificuldade em pagar a prestação da casa devido à subida dos juros, as renegociações dos créditos habitação têm vindo a subir, sobretudo depois de o Governo ter criado novas regras para renegociar os créditos;
- Procura de crédito habitação está a mudar: com a subida dos juros, as famílias estão a comprar casas mais baratas e a pedir créditos habitação de menor valor, tal como indica o relatório trimestral do idealista/créditohabitação em Portugal. Além disso, estão a dar maior valor de entrada no empréstimo e a optar cada vez mais por taxas mistas e fixas;
- Oferta de crédito habitação adapta-se (e fica mais rigorosa): com a procura de crédito habitação a descer e a mudar, os bancos tendem a adaptar a sua oferta para atrair clientes. Uma das formas é baixar o spread para créditos de risco médio. E também optam por criar ofertas de taxa mista mais atrativas, já que estão a ser mais procuradas. Por outro lado, para os empréstimos de maior risco – para famílias com menores rendimentos e garantias, por exemplo –, os bancos estão a optar por subir os spreads, de forma a evitar situações de incumprimento.
“Em zonas stressadas, é muito difícil para uma família de classe média, sem poupanças prévias ou casa, poder adquirir um apartamento”, aposta o economista Miguel Córdoba
Portanto, o endurecimento da política monetária vai afetar mais as famílias com baixos rendimentos, uma vez que os altos preços das casas e dos juros, elevam as prestações para patamares incomportáveis, dificultando o acesso ao crédito habitação. Além disso, para estes casos, os bancos tendem a ser mais cautelosos em conceder empréstimos.
Para Miguel Córdoba, “o problema não é a solvência, mas o rendimento disponível. Se ganhares 2.000 euros por mês, não podes contrair um crédito habitação de 300.000 euros. E se ganhares 4.000 euros e decidires comprar casa, a prestação de 1.200 euros/mês que vais pagar não é o mais relevante, porque se a inflação estiver controlada em 2024, a prestação provavelmente vai descer para 1.150 euros, isto se o crédito habitação for a taxa variável”, continua.
“A questão é que há poucas pessoas que ganham 4.000 euros por mês (ou mais) e, portanto, a procura por não investidores diminui. Em zonas stressadas, é muito difícil para uma família normal de classe média, sem poupanças prévias ou casa, poder adquirir um apartamento”, conclui o economista espanhol em declarações ao idealista/news.
Qual será o rumo das taxas de juro na reunião de outubro?
O Conselho do BCE garantiu esta quinta-feira que os anteriores aumentos das taxas de juro estão a ser transmitidos de “forma vigorosa” à economia, reduzindo a procura de financiamento, “o que constitui um importante fator para fazer a inflação regressar ao objetivo [de 2%]”. Mas admitiu também que, para atingir esse objetivo, vai assegurar que “as taxas de juro diretoras sejam fixadas em níveis suficientemente restritivos, durante o tempo que for necessário”.
Os atuais níveis dos juros diretores poderão estar para ficar. Mas haverá novos aumentos na reunião agendada para o próximo dia 26 de outubro? Christine Lagarde deixou a porta aberta para que haja uma pausa na subida dos juros, mas deixou um apelo aos governos europeus. “Os governos devem continuar a retirar medidas de apoio à economia”, para reduzir as pressões inflacionistas, caso contrário poderá existir “uma reação ainda mais forte da política monetária”, frisou. Embora tenha admitido que possa pausar a subida dos juros na próxima reunião, a presidente da instituição diz que “é demasiado cedo para dizer se as taxas de juro do BCE atingiram o seu pico”.
Só os dados e as projeções macroeconómicas que vão ser conhecidas mais à frente é que vão ditar qual vai ser o rumo da política monetária a adotar: se voltará a ser mais restritiva ou se vai ficar tal e qual como está hoje. Agora, “resta saber como este último aperto afeta a atividade económica e a inflação, que são os indicadores que realmente nos dirão quando este ciclo de aumentos das taxas de juro diretoras chegará ao fim”, apontou Miguel Cabrita.
“É demasiado cedo para dizer se as taxas de juro do BCE atingiram o seu pico”, diz Christine Lagarde
Ainda assim, vários especialistas ouvidos pelo idealista/news acreditam que vão haver mais subidas de juros nos próximos meses. O economista Miguel Córdoba diz que “a inflação está longe de ser controlada”, perante as recentes subidas do petróleo e dos alimentos frescos, além de estarmos a “uma ‘distância’ de um ponto percentual dos EUA (4,5% na Zona Euro em comparação com o 5,25%-5,5% nos EUA), o que faz com que todas as compras de hidrocarbonetos que fazemos nos custem mais, porque o dólar está muito forte. Não vejo razão para adiar o aumento das taxas de juro”, sustenta.
Também Julián Salcedo, presidente do Fórum de Economistas Imobiliários, considera que este novo aumento “não pode ser o último em 2023. Se o preço do petróleo e do gás continuar a subir e a inflação não descer abaixo dos 5%, [o BCE] subirá mais 25 pontos base na sua reunião de outubro ou dezembro. Enquanto a inflação não for controlada e permanecer, pelo menos, abaixo dos 4%, o BCE terá de continuar a aplicar uma política monetária de aumento das taxas de juro. Não teremos outro mecanismo (que funcione no curto prazo) para combater a inflação, mesmo correndo o risco de contrair a economia”, admite.
Por outro lado, Santiago Carbó, diretor de Estudos Financeiros da espanhola Funcas, lembra que “os bancos centrais dispõem de informação muito detalhada e ponderada e, mesmo assim, há momentos (como este) em que as suas decisões não são fáceis. Além disso, as autoridades monetárias – e o BCE não é exceção – reconheceram que é muito difícil avaliar quanto tempo leva para que as suas decisões produzam efeitos na economia, pelo que devemos ser prudentes”. Na sua visão, o mais provável é que não haja mais subidas dos juros em 2023, desde que a inflação mantenha uma tendência de queda.
Quando é que as taxas de juro do BCE vão começar a descer?
Outra questão para a qual muitos procuram resposta tem que ver com a inversão da política monetária por parte do BCE, começando a descer as taxas de juro diretoras – o que iria trazer alívios às prestações da casa. O Bank of America acredita que o primeiro corte nos juros diretores vai ser decidido em junho de 2024, tendo em conta as suas previsões de inflação e as fracas perspetivas de crescimento económico.
Também Miguel Córdoba estima que as primeiras quedas nas taxas de juros vão chegar no próximo ano, “entre abril e outubro”. No entanto, o economista insiste que “tudo dependerá da evolução da inflação e das ações da Reserva Federal dos EUA em relação às taxas de juro. Taxas entre 4% e 5% devem ser assumidas temporariamente e depois descer”, aponta. Na sua opinião, “se conseguirmos diminuir a inflação, o BCE pode esperar para ver o que o Fed fará. Se os americanos começarem a reduzir as taxas no primeiro semestre de 2024, então poderemos começar a baixar os juros diretores. Se não, seria um suicídio económico”, avisa.
O departamento de análise do Bankinter, por seu turno, acredita que a probabilidade de haver uma redução das taxas de juro em 2024 diminuiu e que, se ocorrer, será só no final do ano ou em 2025. Até porque, as suas previsões apontam as taxas de juro diretoras em 4,5% em dezembro, em 4,25% no final de 2024 e em 3,5% no final de 2025.
O diretor de Estudos Financeiros da Funcas também vê a possibilidade de haver uma queda nos juros no primeiro semestre de 2024, “se a inflação puder ser ‘domesticada’ e ficar comprovado que a economia tem pouco crescimento”. Santiago Carbó insiste que “a única coisa que poderia fazer avançar esta decisão é um ambiente económico muito adverso, que exigiria um estímulo. Mas não podemos esquecer que a inflação continua elevada”, recorda.
Já Manuel Romera, economista e diretor do Setor Financeiro da Universidade IE, acredita que decisão de descer as taxas de juro diretoras poderá ser adiada por mais alguns meses. Na sua perspetiva, as descidas chegarão no final do próximo ano ou no início de 2025, uma vez que as próprias previsões do BCE foram revistas em alta para 2024.
As próximas reuniões do BCE
O Conselho do BCE reúne-se aproximadamente de seis em seis semanas. Este é o calendário das próximas reuniões do guardião do euro, nas quais vai anunciar as suas decisões sobre a evolução das taxas de juro diretoras:
- 26 de outubro de 2023
- 14 de dezembro de 2023
- 25 de janeiro de 2024
- 7 de março de 2024
- 11 de abril de 2024
- 6 de junho de 2024
- 18 de julho de 2024
- 12 de setembro de 2024
- 17 de outubro de 2024
- 12 de dezembro de 2024
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